PARA UMA REFLEXÃO SOBRE COMUNICAÇÃO, MÍDIA E
PODER
E sem dúvida o nosso tempo... prefere a imagem à coisa, a cópia ao
original, a representação à realidade, a aparência
ao ser... Ele considera que ilusão é sagrada, e a
verdade é profana.
E mais: a seus olhos o sagrado aumenta à medida que a verdade
decresce e a ilusão cresce, a tal ponto que, para ele, o
cúmulo da ilusão fica sendo o cúmulo do
sagrado.
Feuerbach (Prefácio da Segunda edição de
A essência do Cristianismo.
IN A Sociedade do Espetáculo de Guy Debord).
A comunicação sempre ocupou um espaço importante no
desenvolvimento histórico da humanidade, influenciando,
em épocas variadas, os campos da vida societária, a
saber: a economia, a sociabilidade, a cultura e a política.
Portanto, se a comunicação é hoje tema tão
significativo para o debate na academia e em outros
segmentos da vida social, principalmente no que tange as
novas tecnologias da comunicação e/ou novas mídias é
porque, na verdade, ela sempre foi um elemento
fundamental para a compreensão do homem, desde à
caverna, até às modernas aglomerações contemporâneas.
Neste sentido, se a comunicação sempre foi algo
importante para vida em sociedade, as pesquisas e
descobertas que desvendam os "mistérios" do
uso dos meios de comunicação nos mostram cada vez mais
como a comunicação e suas mediações ocuparam e
ocupam espaços de poder. Não se pode negar a importância
histórica que os folhetins, tablóides e boletins
tiveram para difusão do paradigma capitalista no final
do antigo regime feudal. Os veículos de comunicação
impressos, em ampla expansão, principalmente a partir
do aperfeiçoamento dos tipos móveis de impressão no século
XV, vão impulsionar e possibilitar a difusão, em larga
escala, do novo modo de produção e da ideologia
burguesa ascendente. Exemplo atual desse poder se
encontra nas mídias (rádio-jornal-televisão-internet)
que têm, conforme Denis de Moraes (2003) um duplo papel
estratégico. "O primeiro, diz respeito a sua condição
peculiar de agentes operacionais da globalização, do
ponto de vista da enunciação discursiva. Não apenas
legitimam o ideário global, como também o transformam
no discurso social hegemônico, propagando visões de
mundo e modos de vida que transferem para o mercado a
regulação das demandas coletivas. O segundo, refere-se
ao lugar de destaque que a mídia passa a ocupar
no âmbito das relações produtivas e sociais,
visto que é no domínio da comunicação que se fixa a
síntese político-ideológica da ordem hegemônica".
Portanto, considerando essas assertivas a
comunicação e a mídia ocupam dois espaços centrais
na vida societária: é fonte de expressão cultural,
aqui entendida como um conjunto de sentidos e
significados, de valores e de padrões incorporados e
perceptíveis na ação comunicativa; e, é também
centro do processo de acumulação capitalista do mundo
moderno, aqui compreendido como responsável pela
reprodução do capital, através da circulação em
massa das novas tecnologias da comunicação, sendo
referência imprescindível da economia imaterial.
Conforme Maraes (2003) a mídia atua tanto na
adesão à globalização capitalista quanto por deter a
capacidade de interconectar o planeta, através de satélites,
cabos de fibra óptica e redes infoeletrônicas. "Pensemos
na CNN, que distribui por satélites e cabos, a partir
da matriz em Atlanta, notícias 24 horas por dia para
160 milhões de lares em 200 países e 81 milhões nos
EUA, além de 890 mil quartos de hotéis conveniados. O
mundo em tempo real quase sempre sob o prisma
norte-americano".
Sob esse aspecto, Moraes conclui que o resultado
da articulação existente entre o modo de produção
capitalista e as tecnologias de comunicação e informação
gera uma sinergia que alimenta a acumulação de capital
financeiro numa economia de interconexões eletrônicas.
De fato não seria exagero afirmar como indica
Guareschi (2000) que a comunicação constrói a
realidade. "Num mundo
permeado de comunicação - um mundo de sinais -
num mundo todo teleinformatizado, a única
realidade passa a ser, a representação da realidade -
um mundo simbólico, imaterial. Na interpretação de
Bourdieu a comunicação é um poder simbólico que
constrói o discurso dominante fundado, essencialmente,
a partir do paradigma político-ideológico da classe
hegemônica, que nas reflexões de Zigmunt Bauman (2001)
é concebido como modernidade líquida. Conforme
este autor a época da modernidade pesada, em que
o tamanho, volume, peso e parques industriais, a era do
hardware, foi substituída pela instantaneidade do
software, indispensável a volatilidade das transações
financeiras eletrônicas, a economia imaterial dos mega
mercados financeiros.
A idéia de que vivemos em uma sociedade da
informação (mercadológica e perecível) se multiplica
em rede cada vez mais ampla e difusa. Tal rede é, de
fato, é cada vez ampla, mas também mais concentradora,
quanto no que diz respeito ao seu controle, quanto aos
conteúdos transmitidos. "A liberdade de expressão
tornou-se tão cara, como o custo crescente dos meios,
que a comunicação de massa tem sido uma forma de cada
vez menos gente dizer menos coisas a um número cada vez
maior de pessoas, reduzidas à passividade. O
desenvolvimento dessa indústria, feito sem controle
social, tem se tornado um obstáculo à ação
comunicativa das pessoas entre si". Benjamim
(1998).
De acordo com Moraes a mídia global está nas mãos
de duas dezenas de conglomerados, com receitas entre 5 a
35 bilhões de dólares. Eles veiculam dois terços das
informações e dos conteúdos culturais disponíveis no
planeta. No Brasil, cerca de sete a onze famílias
controlam os grande meios de comunicação e são
responsáveis pela veiculação da maioria das informações
que temos acesso diariamente. Pela legislação aprovada
em 2002 pelo Congresso Nacional, o capital estrangeiro
terá prerrogativa de deter até 30% do capital de
empresas jornalísticas e emissoras de rádio e tv. Há
um justificado temor de que a crise financeira no setor,
o endividamento externo e a falta de mecanismos de
fiscalização facilitem o domínio das empresas pelos sócios
internacionais, visto que o monopólio da comunicação
pelas corporações de mídia, impede o debate plural e
democrático das idéias.
Talvez seja esse um dos possíveis cenários, do
qual deve partir as discussões sobre ética na mídia:
a sociedade não imaginou que a modernidade criasse
tantas informações, imagens e sons. Mas, quem comanda
e objetiva os bens simbólicos? Quem define o que vai
ser produzido, como e onde? Se queremos uma mídia
eticamente democrática não podemos se omitir a esse
debate, a compreensão do cenário midiático hegemônico.
Construir alternativas pressupõe o discernimento dos
mecanismos de poder que criam e recriam a gaiola de
ferro da comunicação e da informação, da mídia
e das novas tecnologias da informação.
Apesar do poder avassalador que possui a mídia,
a sociedade não é tão apática e passiva frente ao
poder de manipulação dos meios de comunicação. Há,
evidentemente inúmeras possibilidades e mecanismos para
a construção de uma mídia eticamente democrática.
Apesar de não se tratar de uma tarefa fácil, Habermas
(1989) sugere, por exemplo, uma diferenciação entre o mundo
do sistema e mundo da vida. Através do
processo de comunicação, entre sujeitos autônomos e
conscientes é possível construir, na esfera pública,
relações baseadas no agir ético e democrático, uma
relação dialógica onde os consensos orientam as práticas
sociais do mundo da vida, rompendo, desta feita,
com o mundo do sistema, onde se reproduzem
simbolicamente as relações de poder.
Para Moraes se desejamos a livre circulação de
informação, é hora de revitalizar a sociedade civil e
arregimentar forças a urgente tarefa de propor e
consolidar alternativas concretas à mercantilização
genaralizadora. “Insistimos, por exemplo, no
estabelecimento de políticas públicas de comunicação,
assentadas em mecanismos democraticamente instituídos
de regulação, de concessão, de distribuição e
fiscalização. Políticas debatidas por segmentos
representativos da opinião pública e formulados com
equilíbrio e realismo, considerando as profundas
transformações da era digital e seus efeitos
socioculturais e políticos”. Um dos caminhos seria a
construção de redes de sociabilidade que constroem e dão
ressonâncias a campanhas em prol da democratização da
esfera pública no planejamento da comunicação.
Na leitura atenta de Jesús Matin-Barbero (2003)
a possibilidade de construção de uma ética na
comunicação pressupõe também uma atenção especial
às novas comunidades e sociabilidades que se constroem
frente a hegemonia do discurso do mercado global.
Encontro de sujeitos conscientes de seu papel social,
que através de emissoras comunitárias dão novo
sentido a relação entre política e cultura. Quando os
movimentos de bairros e comunidades encontram, em
um espaço público como aquele que uma rádio abre, a
possibilidade não de serem representados, mas de serem
reconhecidos: "de fazer ouvir a própria voz, de
poder dizer-se com suas linguagens e relatos. Vista a
partir da comunicação, a solidariedade desemboca na
construção de uma ética que se encarrega do valor da
diferença articulando a universalidade humana dos
direitos à particularidade de seus modos de percepção
e expressão".
Acredito também que um caminho a ser construído nesse cenário de
conquista da ética e da cidadania na mídia deve passar
pela comunicação comunitária. A mídia constrói a
cidade, uma cidade simbólica que a população passa a
ver. O problema é que a visão construída pela mídia
- jornal, rádio, televisão e internet - é uma visão
hegemônica. A proposição é a formação de
profissionais que pensem a comunicação como uma ação
ética, ou seja, um comportamento moral em relação às
necessidades sociais. O que o profissional faz hoje é
muito mais proteger o "seu" emprego do que
lutar para que ele possa trabalhar com liberdade para o
exercício de uma atividade cuja essência é prestar um
serviço à comunidade. Assim, é preciso além da
liberdade de expressão e opinião, uma visão da
comunicação como algo comunitário, como é de sua natureza
essencial, e que vai influenciar pessoas no
comportamento, no julgamento de ações, engajamento
societário e conseqüentemente possibilitando o
surgimento de novas sociabilidades a partir do emprego
ético da ação comunicativa.
Falar de ética ainda, é tomar uma posição. Nós precisamos nos colocar
contra o que está sendo feito, embora afirmando este
poder que sabemos hegemônico, mas que aqui e acolá
foge da regra e faz coisas boas. A mídia traz muita
coisa boa ao meu ver. A postura dos meninos no Fórum
que aconteceu no Rio semana passada, é muito boa,
eles criticaram e mostraram como pode ser
feito melhor, é assim que eu penso também.
Para os discentes e docentes em comunicação
social, seja Jornalista, seja Publicitário, seja Relações
Públicas fica a árdua tarefa de sermos também nós
construtores da ética nos espaços comunitários e nos
meios de comunicação social. Para tanto é necessário
desenvolver, pelo menos, três aspectos fundamentais da
vida acadêmica e profissional: saber fazer,
que se refere a dimensão técnica; saber conhecer,
que se entende como o domínio teórico dos fundamentos
e da epistemologia das comunicações; e saber pertencer,
que diz respeito, essencialmente, aos interesses da
esfera pública, da necessidade de difundir nos mais
variados meios, seja comunitário, empresarial e
familiar o compromisso com a ética e a democratização
da mídia, bem como ao acesso às novas tecnologias da
informação para que estejam à serviço da VIDA
E DA ESPERANÇA.
Referências
Bibliográficas
BAUMAN.
Zigmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.
BENJAMIM.César
[et. al.]. A
Opção Brasileira.
Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.
GUARESCHI.
Pedrinho A. [et. al.]. Comunicação & Controle
Social. Petrópolis: Vozes, 2000.
BOURDIEU,
Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro.
Bertrand Brasil. 1998.
HABERMAS,
J. Consciência Moral e Agir Comunicativo; trad. Guido A. De Almeida. -
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
MARTIN-BARBERO.
Jesus. Globalização Comunicacional e Transformação
Cultural. IN. MORAES. Denis de [et. al]. Por
uma outra comunicação: Mídia, mundialização
cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003.
MORAES. Denis de [et. al]. Por uma outra comunicação:
Mídia, mundialização cultural e poder. Rio de
Janeiro: Record, 2003.
Jax
Nildo Aragão Pinto[1][1]
[1]
Graduado em Comunicação Social, Relações Públicas;
Especialista em Populações Tradicionais da Amazônia,
Mestrando em Sociologia pela UFPA e Professor do
Instituto de Estudos Superiores da Amazônia –
IESAM.
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