III. FORMAÇÃO DO CATEQUISTA NO SABER PARA PARTICIPAR

        

         Neste capítulo enfatizarei a importância da Bíblia na formação do catequista, uma vez que ela contém a revelação divina feita à humanidade e a promessa de salvação que se realiza por meio de Jesus Cristo, unigênito e Verbo Encarnado do Pai; tendo sido enviado ao mundo como seu missionário.

         O magistério é um guia seguro para compreender a revelação de Deus e educar os catequizandos na capacidade de escuta da Palavra, favorecendo a adesão ao seguimento de Cristo, dentro de uma comunidade eclesial, onde se amadurece na fé, e suscitando novos discípulos para testemunhar o evangelho, sendo este o objetivo principal da catequese.

         A Palavra de Deus será inculturada na realidade eclesial, respeitando a idade evolutiva do destinatário (neste caso o adulto).

         Jesus Cristo é o pedagogo por excelência, com seu método educativo se revela ao homem, como caminho verdade e vida (cf Jo 14, 6), suscitando fé e adesão do coração, provocando a conversão, restaurando a imagem perdida de filhos, por causa do pecado, dando um novo sentido à existência humana.

         Cristo anuncia o reino, mas ele é o reino de Deus[1], contagiava a todos com suas palavras de vida eterna, e sua presença, e diziam “jamais um homem falou assim!” (cf Jo 7, 46) .  Saia dele uma força que curava a todos, seja no espírito como no corpo (cf Lc 4, 40.13-14.17-19); isto para quem acreditava que ele era o enviado do Pai, o Messias prometido.

         Os primeiros cristãos são modelos de Igreja, pois eram assíduos na escuta da Palavra, deixavam-se guiar pelo Espírito Santo, aprendendo com os apóstolos, “eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, a comunhão fraterna, á fração do pão e as orações” (cf At 2, 42) e com Maria (modelo da Igreja, esposa e mãe)[2] a realizar a vontade do Pai (cf At 1, 13-14. A Igreja faz uma nova leitura da sua história para continuar a ser fiel a Cristo, seu Esposo[3].

         O seguimento de Cristo impõe ao discípulo a abertura ao novo, a capacidade de diálogo com o diferente, seja a nível cultural, credo, mentalidade, raças, para que também neste meio Cristo seja anunciado e testemunhado[4].

         Formar o catequista no saber, não é limitá-lo apenas a uma base teológica, que é importantíssimo para a sua competência catequética, mas deverá ser um conhecedor das problemáticas pastorais de hoje, o projeto da Igreja particular em que desenvolverá o seu agir catequético, as pessoas com as quais trabalhará e assim envolverá os cristãos na ação evangelizadora da Igreja[5].

 

3.1 A Bíblia na Catequese Formadora de Comunidade

 

         A Palavra de Deus revelada em Jesus Cristo é o coração da catequese, que ocupa o lugar central na economia da revelação divina, porque é Palavra suprema e definitiva, onde Deus Pai manifestou o seu projeto de amor salvador para com os homens, através do seu Filho amado[6].

Hoje a catequese dentro da ação eclesial continua a missão de Cristo, com ela se dará início (com o catequizando) a um encontro pessoal com o Senhor, pois a Palavra de Deus antes de ser qualquer coisa é alguém, e a catequese está a serviço da Palavra[7], que conduz a este encontro de comunhão com Jesus[8].

         A catequese passou por evoluções até chegar aos nossos dias, hoje concebida como forma peculiar do ministério da Palavra na Igreja, está ao seu serviço. Portanto a catequese encontrou a sua identidade passando da doutrina a mensagem, do ensinamento à catequese[9].

A partir do Concílio Vaticano II, a Bíblia passou a ser usada na catequese, anteriormente não era freqüente o seu uso.

         O magistério em especial a Constituição Dogmática Dei Verbum, manifesta a origem e função da revelação divina[10]. É Deus que na sua bondade e sabedoria deseja revelar a Si mesmo e manifestar o mistério da sua vontade a todos os homens através do seu único Filho Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne, e pela ação do Espírito Santo temos acesso ao Pai que nos torna participantes da sua natureza divina (cf Ef 2, 18; 2 Pd 1, 4).

         Deus se revela à humanidade, não com a visão antiga de juiz, mas de um amigo que mantém um diálogo profundo (cf Es 33, 11; Jo 15, 14-15), convida a vida de comunhão (cf Bar 3, 38). A revelação de Deus e do seu amor misericordioso de pai, amigo e irmão, acontece por meio dos acontecimentos e eventos, que são iluminados pela sua Palavra ou ao contrário a Palavra ilumina os acontecimentos. Toda verdade da sua revelação na história da humanidade é para realizar a salvação do homem por meio de Jesus, pois é o único mediador de toda a plenitude da revelação[11].

         A catequese sente nesta nova concepção como educadora da fé, pois favorece a uma adesão pessoal a Cristo, por meio de um itinerário formativo, respeitando o processo de crescimento de cada indivíduo, com o objetivo de educar ao seguimento do mestre, na capacidade de renunciar a todo tipo de concepção mundana que impede de viver a liberdade de filhos de Deus, ajudando-os a inserir-se na comunidade eclesial e sentir-se membro  co-responsável na sua missão evangelizadora.

 

3.1.1 Inculturar a Bíblia na Catequese

 

         O catequista deverá utilizar duas sagradas escrituras na catequese através de duas formas: A primeira utilizará a bíblia que narra a busca de Deus, o encontro com Yahweh, com Cristo realizada por Israel. A segunda bíblia é a da criação e da história; Deus que escreveu com o alfabeto dos fatos, das coisas, dos acontecimentos, das situações e das pessoas, dos povos e de suas culturas, com situações empobrecidas.

Se a Palavra de Deus não se encarna na vida das pessoas e ilumina a história, se torna uma idolatria. A Palavra de Deus na catequese não deve ser manipulada, mas deverá ser usada como Palavra viva no contexto em que se vive, pois é eficaz e transformadora da realidade – profética[12].

         A Palavra de Deus iluminará a vida verso um processo de conversão, assim crescerá a esperança e a força, para enfrentar os problemas e desafios vindos dos poderosos que exploram as pessoas, pois vivem valores que são  contrários ao evangelho.

         A Bíblia na catequese deverá ser luz para o catequista ler a história do povo, ajudando-o a interpretar e discernir para comprometer-se com a realidade[13].

         A catequese tem como função, transmitir “os fatos e as palavras da revelação”[14], proclamar, narrar e explicar os profundos mistérios que eles trazem, assim iluminará a vida do homem, ajudando-o a interpretar os sinais dos tempos na sua vida presente, onde se realiza os desígnios de Deus para a salvação do mundo[15].

         É na catequese que o catequista exerce o ministério da Palavra ressaltando a grandeza da economia da revelação, onde Deus entra na história da humanidade com o mistério da encarnação, assume a condição humana, com sua vida, sofrimentos e morte para realizar a definitiva aliança entre “Deus e o homem”[16].

 Através da catequese o evangelho se encarna na cultura e traz consigo toda sua força renovadora, favorece o conhecimento da pessoa de Cristo, cuja fonte são os evangelhos, coração de toda a escritura, é ali que se aprende a vida  e o seu mistério. Portanto a vida cristã é o seguimento da pessoa de Jesus[17], pois Ele disse que é “o caminho, a verdade e a vida, e ninguém vem ao Pai a não ser por mim” (Jo 14, 6).

Pelos anos 50 (1956 – Avversa / Bélgica) 1 a 12 de agosto sob a responsabilidade de Johan Hofinger, foi organizado o 1º encontro  Internacional de Catequese, (austríaco, discípulo de Jungmann, um grande personagem na história moderna na linha catequética bíblica-litúrgica, foi organizador das semanas internacionais de catequese) onde refletiu-se pela primeira vez sobre a importância da Bíblia e Liturgia na Catequese. A partir deste evento iniciou-se a reflexão e aprofundamento sobre a utilização do Kerigma na catequese, também nos seus aspectos litúrgicos[18].

A catequese deve dar condições, para que o catequizando gradualmente faça experiência do amor de Deus revelado em Jesus com sua morte e ressurreição e acolha esta salvação oferecida através dos sacramentos, pois é na liturgia que se celebra o mistério deste amor por cada batizado.

         A catequese kerigmática deverá ser acompanhada por uma catequese litúrgica, pelo testemunho cristão e por um itinerário sistemático da mensagem cristã.

A Bíblia na catequese é uma das fontes principais, pois suscita a fé viva, favorecendo ao homem a dar uma resposta ao chamado de Deus, que o convida sempre a uma profunda conversão do coração. Portanto a Sagrada Escritura na catequese deverá inculturar-se na realidade dos seus interlocutores.

 

3.1.2 A Bíblia na Catequese com Adultos

 

A Sagrada Escritura está nas mãos dos adultos através dos círculos bíblicos, grupos de reflexão, campanha da fraternidade, novena de natal, no projeto ser Igreja no novo milênio, sendo inspiração constante nas comunidades eclesiais de base[19].

          A Bíblia foi escrita para adultos, deixando espaços para que sejam capazes de refletirem e decidirem, e descobrirem nos acontecimentos a mão de Deus que convida sempre a ser fiel à aliança feita, na grande liberdade dos filhos de Deus[20].

         A Bíblia manifesta correntes diversas e idéias opostas; não é Palavra de Deus que caiu do céu, mas nasceu das lutas e sofrimentos de um povo, com suas situações e acontecimentos, através da história, guiados pelos profetas até chegar na plenitude dos tempos quando Deus enviou seu amado Filho para encarnar-se na humanidade (cf Gal 4, 4-5).

         A Palavra de Deus deve iluminar a vida dos adultos nas suas diversas situações, para descobrir nelas a presença ou ausência de Deus. Não poderá ser lida desencarnada da vida, por uma linha espiritualista, mas sua leitura deverá refletir os anseios, tristezas, dores, alegrias, louvor, adoração, agradecimentos por tudo que envolve a vida  de cada pessoa.

         A Palavra de Deus se encarna na realidade humana para conduzir o homem a libertação de todo tipo de escravidão que o impede de ser fiel à aliança com Deus (que é amor e fidelidade).

 

“A iniciação à leitura da bíblia na catequese, deve levar não só ao contato com a Palavra de Deus na leitura pessoal ou grupal da escritura, mas principalmente à compreensão da Palavra proclamada e meditada na liturgia”[21] .

 

 

 

3.1.3 A Bíblia forma Comunidades

 

         A Bíblia é o livro do povo de Israel e das primeiras comunidades cristãs, “nasceu da vida, lutas e sofrimentos, situações e acontecimentos[22], ainda hoje  Deus continua por meio da história a guiar o seu povo através da escuta da sua Palavra, nas celebrações litúrgicas com sua presença nos sacramentos.

 

“A Bíblia quer construir e fazer crescer a comunidade de fé, a comunhão fraterna,   a vida de oração, levando a solidariedade e compromisso”[23].

 

         Com a vinda do Espírito Santo prometido por Jesus que é o “ Espírito da verdade, que vem do Pai, ele dará testemunho de mim. E vós também dareis testemunho porque estais comigo desde o princípio [..], ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas futuras” (Jo 15, 26-27;16, 13b).

 Com o evento de Pentecostes as coisas ficaram mais claras para os apóstolos, pois o Espírito Santo realizou por meio deles as promessas de Jesus, perderam o medo, o que era confuso (quando o Senhor falava), tornou-se compreensível, especialmente as profecias do AT que se cumpriram na pessoa de Jesus.

Pedro que negou o Senhor, em pentecostes sob ação do Espírito iniciou a proclamar as maravilhas de Deus, revelando quem era Jesus àqueles que o haviam crucificado, dizendo que Deus ressuscitou-o constituindo Senhor e Cristo (cf At 2,22-24), recordou-se também da profecia de Davi (cf At 25-28; Sl 16, 8-11); os apóstolos sob à ação do espírito Santo fizeram uma nova leitura do AT à luz da revelação feita pelo Mestre.

A comunidade dos primeiros cristãos eram perseverantes em ouvir os ensinamentos dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações (cf At 2, 42). A escuta da Palavra reveladora suscitava conversões e o desejo de viver e ser fiel às palavras de Jesus, transmitidas oralmente pelos apóstolos. Por meio da escuta da palavra nascia o desejo de compartilhar a vida, os bens, praticar a justiça, estar atento às necessidades dos pobres, ser unidos no Corpo do Senhor (Eucaristia), mas também com sua Igreja (corpo de Cristo), sustentados pela oração em uma vida de simplicidade, de serviço e discipulado.

A comunidade primitiva nasce através da escuta da Palavra de Deus que chama a conversão, sustentadas pelo testemunho dos apóstolos que conviveram com o Senhor, e desta experiência profunda do seu amor iniciaram uma nova vida no seguimento do Cristo.

          Hoje temos as comunidades eclesiais de base, que se reúnem para ouvir a Palavra,  e serem iluminadas na própria vida, partilhando as experiências, para que o coração seja transformado, e saiba discernir os sinais dos tempos na história cotidiana, na defesa do humilde e pequeno, tantas vezes sem voz e vez. Nestas mesmas comunidades se celebra a vida, mas também nasce a força para defendê-la, pois ela é dom de Deus.

 

“A Bíblia alimenta a identidade cristã, ajuda a formar a comunidade e a dar razão   de nossa esperança” (cf 1 Pd 3, 15)[24].

 

É na CEB’s, grupos de rua, círculos bíblicos, grupos de reflexão, movimentos, associações, que se conscientiza e se assume compromissos com a transformação da sociedade, onde o reino deverá ser construído[25].

         A leitura orante da Bíblia impulsionará a formar comunidades, mas também inspirará o serviço no mundo, que se transformará em sinal do reino de Deus, de paz e justiça, de fraternidade e igualdade, para que Deus seja tudo em todos, que ultrapassará as fronteiras da Igreja[26].

         Na leitura e escuta atenta da Palavra de Deus em especial na liturgia, suscita no cristão o desejo de aprofundar o texto sacro e descobrir a mensagem que Deus está revelando[27], seja individualmente como  comunitariamente, suscitando o empenho de seguí-lo dentro de uma comunidade eclesial, então se inicia a formar comunidades com expressões diversas[28].

         A Bíblia na catequese é importante, porque na Palavra revelada em Jesus, por meio da catequese se torna educadora comunitária, que é permanente, progressiva, ordenada e sistemática da fé, onde se realiza a interação da vivência concreta (fé e vida) com a reflexão cristã, que supõe a participação na vida comunitária, por suas lutas por uma sociedade mais justa[29]. A fé não se vive sozinha, mas em comunidade[30], para formar novos discípulos e viver uma vida de comunhão fraterna, nas diversidades dos seus membros, segundo o estado de vida de cada um.

 

         A Bíblia manifesta quatro momentos importantes:

 

Ø     Por sua linguagem, é a Palavra de Deus que revela  sua ação salvadora presente na história. A linguagem bíblica é forte, questiona e às vezes é contestadora, não tem censuras, desmascara tudo que é falso e idólatra. Possui ao mesmo tempo uma linguagem humilde e piedosa, no respeito da diversidade, é profética, estimula ao celebrar os sofrimentos e as alegrias.

 

Ø     Por sua origem, Israel fez a experiência da presença de Deus, que alimentou a sua vida de fé em comunidade, com lutas para sua sobrevivência e dignidade, e devagar vai escrevendo a sua experiência de fé. Com a vinda de Cristo, este processo foi considerado inspiração divina, “refazendo a leitura da experiência bíblica que os poucos é colocada por escrito em forma de Evangelhos, Atos dos Apóstolos, Epístolas e Apocalipse”[31].

 

Ø     Por seu conteúdo, a Bíblia rejeita a opressão na prática da religião, reflete liberdade de espírito. Valoriza o pequeno com sua dignidade e cultura[32], transmite esperança a quem está em busca de um sentido profundo para o seu existir.

 

Ø     Por sua metodologia, está inserida na vida do seu povo, na medida que realiza o percurso, faz uma avaliação da caminhada feita, retornando aos empenhos propostos no início. A Bíblia se torna oração (porque é vida de um povo), e dos fatos se faz catequese, “costumes, leis, contos e cantos, alegrias, dores, indignação e amor”[33].

        

3.2 Jesus, o Missionário do Pai

        

O nome Jesus significa Deus salva, que revela a sua pessoa e missão. A palavra missionário têm sua origem na palavra missão, que significa envio à algum lugar, com um ponto de partida e um ponto de chegada e uma tarefa a ser realizada[34].“Eis-me aqui[...], eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade”(Heb 10, 7). O ponto de partida é Deus Pai, que envia o Filho e o Espírito Santo, e estes enviam a comunidade, destinatária e protagonista do anúncio do evangelho até os confins do mundo (cf Mc 16, 15), revelando que Deus é Pai, que adotou-nos como filhos em Jesus na obra da redenção, paixão, morte e ressurreição. O ponto de chegada é a vida plena do reino de Deus, no qual serão recapitulados todas as coisas em Cristo[35].

Cristo antes de ser enviado do Pai, vivia no mistério de comunhão naTrindade (Pai-Filho-Espírito Santo). A missão de Deus (missio Dei) é iniciativa do seu amor, e este conceito, são reflexões missiológicas antigas que fizeram um percurso na definição do mistério da SantíssimaTrindade[36].

Em São João diz que “Deus é amor” (1Jo 4, 8-16), fazendo esta afirmação concluímos que Deus é relação e não solidão, transborda, comunica e se relaciona, sendo características do amor, pois é gratuito, têm uma direção e intenção. O amor de Deus se dirige verso a humanidade, para reintegrá-la na sua comunhão (sua intenção) na vida plena do seu reino, que o homem perdeu com o pecado[37].

         A comunhão da Trindade antes do tempo, é a missão de Deus na história para a salvação da humanidade, “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória, que Ele tem junto do Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 14).

 

“Quando chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de uma   mulher [...], para remir os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial” (Gal 4, 4-5).

 

         Jesus assume a condição humana, encarnando-se no seio da Virgem Maria, “o Espírito Santo virá sobre ti e o poder do altíssimo vai te cobrir com sua sombra, o santo que nascerá será chamado Filho de Deus” (Lc 1, 35).

Jesus ao encarnar-se na humanidade por obra do Espírito Santo, faz com que a sua missão de Verbo encarnado se prolongue na história, no mundo, na Igreja e em cada pessoa pela ação do Espírito, revelando o amor gratuito de Deus Pai verso a humanidade para recapitular todas as coisas, “ele nos arrancou do poder das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados[...], pois nele aprouve Deus fazer habitar toda a Plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Col 1, 13-14.19-20)[38].

         Nas pessoas divinas de Jesus e do Espírito Santo, sempre está presente o Deus Uno e Trino. Jesus nos  revela que Deus é Pai, nos ama com seu amor infinito, nos salva, cura e perdoa no seu sangue, sob a ação do Espírito Santo. É no amor eterno do Pai que recebemos o compromisso com a comunhão e missão, é neste mistério (comunhão) que a missão do Filho e do Espírito têm sua origem[39].

         Em cada missão que manifesta a Igreja, sempre se reconhece a iniciativa do Pai que mandou o seu Filho ao mundo para salvá-lo, infundindo os dons do Espírito Santo[40].

 

3.2.1 Jesus Anuncia o Reino de Deus

 

         O anúncio do Reino é puramente uma ação gratuita de Deus, sem interesse, somente têm o desejo de partilhar o amor, é uma lógica que não é deste mundo[41], é o kairós do aqui e agora que não se confunde com obras de caridade. O amor é universal e de graça, transforma todas as coisas e continuamente chama o homem a conversão para sair de si mesmo, como fez Deus no seu amor eterno derramando-se na humanidade, que não se fecha na Igreja católica, mas se abre a todos os povos, culturas e raças, o Espírito não tem limites nos espaços e no tempo[42].

         Jesus ao início de sua missão se fez batizar por João Batista, onde o Pai manifestou ao mundo a sua filiação divina (cf Mt 3, 13-16). O Espírito Santo  veio sobre ele no batismo, e o Pai proclamou-o na línea messiânica Filho-Servo-Profeta[43], Jesus batizará não com um batismo de conversão, mas “ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Lc 3, 16).

A filiação divina de Jesus, faz parte do seu ser ontológico, que o fará agir de acordo com sua condição de filho, sendo formado pelo Pai, viverá na sua intimidade com confiança na sua proteção, identificando-se com a sua vontade que o libertará das mãos de seus perseguidores (cf Sab 2, 13.16-17).

O Pai reconhece Jesus como seu Filho-Servo, através das revelações realizadas, seja no batismo, na transfiguração e durante a realização da sua missão, que até os demônios o chamaram de Filho de Deus (cf Mc 1, 11; 3, 11; 5, 7; 9, 7).

         Jesus assume  a sua identidade divina, que comporta uma missão entre os homens, vivendo uma existência autenticamente humana. Foi tentado no deserto, mas superando as tentações, demonstrou a sua humanidade-divinizada; como homem teve fome, revelou a sua supremacia sobre a matéria “não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4, 7), tentado na sua divindade, pois o diabo queria que saltasse a montanha se Ele fosse o Filho de Deus, oferecendo os reinos do mundo se  o adorasse, no entanto resistiu e disse: “vai-te satanás, porque está escrito: ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto” (Mt 4, 10).

         As tentações do poder, prazer e do ter são ainda as tentações dos nossos dias. Cristo vencendo as tentações interiores como homem, demonstrou ao Pai sua fidelidade e amor que o enviou ao mundo para resgatá-lo destas mesmas tentações. O período no deserto o fez forte para iniciar sua missão na convicção de que “o Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4, 18-19).

         As palavras do profeta Isaías tornou-se o programa do ministério de Jesus no anúncio do reino de Deus, na potência do Espírito Santo. O reino de Deus por Ele anunciado é para dar consciência ao homem da manifestação de Deus no mundo, (que é o mundo da ressurreição de paz e amor) que entra em contradição com este mundo de sofrimento, pecado, tempo, espaço, história.

         O mundo de Deus ou o reino de Deus é de simplicidade, se manifesta nas coisas pequenas como um grão de mostarda pequeno que devagar cresce até tornar-se uma grande árvore (cf Mt 13, 31-32). “A missão de Jesus, desde a encarnação até a cruz é tornar presente o reino de Deus a todos”[44].

 

“Devo anunciar também as outras cidades a boa nova do Reino de Deus, pois para isso é que fui enviado” (Lc 4, 43).

 

Jesus na sua missão profética anunciou “a vinda de um reino em que o amor, a compaixão, a justiça e todos os valores evangélicos seriam concretamente realizados”[45].

Ele realiza o perdão, liberta e ressuscita, é dinâmico, vence todas as barreiras e desgraças, pois é Senhor. Pleno da potência do Espírito Santo, está em comunhão com a vontade do Pai, deseja que todos os homens sejam salvos do pecado, cura os que estão doentes (cf Lc 9, 11) pois é para isto que veio; expulsa os demônios libertando o homem da sua escravidão, perdoa os pecados e ama o pecador desprezado pela sociedade (a prostituta, cobrador de impostos, os pobres marginalizados, os últimos), ressuscita os mortos (cf Mt 9, 20-21; Mc 5, 1-20; Lc 8, 45-56).

         Jesus missionário do Pai tem consciência da sua missão que lhe foi confiada, “tudo me foi entregue por meu Pai e ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 27). A sua comunhão com o Pai no Espírito é o fundamento da sua missão, “Eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14, 11).

         O catequista missionário deverá encarnar na sua vida, a pessoa, projeto e missão de Jesus, para tornar conhecido o reino de Deus. Ele é enviado e prolonga a missão de Cristo no mundo (cf Mc 6, 6-13), sustentado pela comunhão com o mestre, com o espírito de sacrifício, de pobreza e doação, testemunhando o reino de Deus no espírito das bem aventuranças (cf Mt 5, 1-12).

         O homem hodierno necessita escutar esta boa notícia de salvação, afundado na lama do pecado porque não têm forças para sair, no entanto, através do catequista missionário o kerigma será anunciado e testemunhado e por uma progressiva educação na fé serão formados novos discípulos de Jesus dentro de uma comunidade Igreja, para mais tarde tornar-se novas testemunhas do evangelho.

 

3.2.2 Jesus é o Reino de Deus

 

          Com a ressurreição de Cristo, Deus venceu a morte e nele inaugurou definitivamente o seu reino. Jesus o profeta do reino, e depois com sua paixão, ressurreição e ascensão aos céus, participa da potência de Deus e do seu domínio no mundo (cf Mt 28, 18; At 2, 36; Ef 1, 18-21)[46]

          Cristo não somente anunciou o reino de Deus, mas nele mesmo se fez presente e se realizou, não só com palavras e ações, mas em primeiro lugar na sua pessoa, Filho do Pai e do homem, o qual veio para servir e dar a sua vida para salvar a todos (cf Mc 10, 45).

          O reino de Deus não é conceito, nem doutrina, mas um programa de vida, mas sobretudo é uma pessoa que possui uma identidade Jesus Cristo de Nazaré, imagem do Deus invisível[47]. O reino é presente na pessoa de Jesus, e a sua ressurreição faz com que sua mensagem seja conhecida no mundo inteiro, e aos poucos cresça no coração do homem através do misterioso contato com Ele.

        A manifestação do reino de Deus em Jesus se observa pela sua grande liberdade, não sendo condicionado por nenhum comportamento humano, seja no sentido da liberdade ˝de˝ (para superar qualquer condicionamento familiar, político e religioso), ou liberdade ˝para˝ (Ele tinha clareza e determinação, realiza a missão que o Pai lhe deu)[48].

        Esta capacidade de transcendência psicológica do seu ser, revelava a sua divindade na sua humanidade, realmente era Filho de Deus, a sua imagem e semelhança que transcendia a criação.

         O homem Jesus possuía humildade interior profunda (cf Is 42, 1-2; Mt 11, 29), era disponível para aceitar, viver e estar na verdade, até as últimas conseqüências porque era sustentado pela verdade suprema do Pai em uma profunda liberdade (cf Jo 8, 32).

          Jesus tem consciência da sua natureza divina, demonstra isso quando discute com os judeus, dando testemunho de si mesmo, ˝meu testemunho é válido, porque sei da onde venho e para onde vou, o meu julgamento é verdadeiro, porque eu não estou só, mas comigo está o Pai que me enviou, dá testemunho de mim˝ (Jo 8, 14.16.18).

        Cristo é o reino de Deus, realiza milagres em seu próprio nome e pede a fé na sua pessoa, como condição de realizá-lo. A sua misericórdia se identifica com a do Pai, com a vinda do reino (cf Mt 12, 28; 11, 3-6), com o poder de Deus que está nele, “para que sejam um,como nós somos um” (Jo 17, 22) , pois é seu enviado.

        Temos o exemplo do centurião que implora a Jesus de curar o seu servo que é paralítico e sofre de muitas dores (cf Mt 8, 5-13), vendo a disponibilidade do mestre  para ir até o doente, este homem diz: basta somente uma palavra tua e o meu servo será curado. Admirando-se Jesus da sua grande fé, realizou o milagre.

         O reino é para aqueles que acolhe e têm fé no poder divino que habita em Jesus. A onipotência de Jesus manifestava-se também nas suas palavras, que o distingue dos escribas “porque ensinava como alguém com autoridade e não como os escribas” (Mt 7, 20). A sua unidade era tão grande com o Pai que o chamava “aba”, papaizinho, demonstrando a sua familiaridade com ele em especial nos momentos de oração (cf Mc 14, 36; Mt 11, 25-26; Jo 3, 35), sendo a força para sua ação.

 

 

 

 

3.3 Jesus Educador

        

         Jesus utilizou vários modos para tocar o coração humano, inserido  na sua cultura, sabia muito bem como atingir profundamente o homem, embora não foi aceito pelo seu povo, não deixou de dizer as verdades sobre a injustiça praticada contra os pobres, doentes e portadores de deficiência física.

Os doutores da lei e fariseus, praticavam um culto superficial feita de sacrifícios de animais e observâncias legalistas, mas os corações permaneciam longe de Deus. Jesus sabia acolher o pecador arrependido, manifestando o amor misericordioso do Pai; sendo uma novidade para eles, pois havia uma visão de um Deus juiz e não misericordioso (cf Mt 11, 28-30). O anúncio de um novo reino e a denúncia do pecado custou a sua própria vida, que não a negou em oferecê-la (cf Jo 22, 15.42.53).

         O ensinamento de Jesus não eram belas teorias racionais, sem encarnar-se na realidade, em seu tempo existiam tantos falsos mestres com habilidades de oratória para arrastar multidões atrás de si (cf Mt 23, 7-31). Fazer-se educador (mestre) dos outros, sem a disposição de colocar em prática o que se ensina, não ha valor algum. Somente o exemplo instrui e convence. Jesus não era um teórico, ensinava o que praticava. Suas palavras encontravam forças no seu testemunho de vida, donde a veracidade de seus ensinamentos que arrastava multidões (cf Mt 20, 24-28; 23, 1-31).

         Cristo deu o exemplo mediante o gesto de lavar os pés dos apóstolos. Na sua cultura era inadmissível um rabino ajoelhado diante dos seus discípulos a lavar os  pés deles. O mestre Jesus no entanto, ajoelhou-se diante de cada um e não teve dúvidas em praticar tal gesto, lavando os pés empoeirados dos apóstolos, sem perder a sua dignidade, soube mostrar-lhes até onde o amor pode chegar. O máximo foi com sua morte na cruz (cf Jo 13ss). 

         Com a encarnação do Verbo, se cumpre as promessas do AT, “quando chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial” (Gal 4, 4-5).

         Deus quis que seu único Filho fosse inserido em uma realidade humana, de um povo e de uma cultura condicionado por uma lei, por uma natureza humana, exceto no pecado. Experimentando esta condição pudesse manifestar ao homem a salvação, revelando o amor misericordioso de Deus Pai.

Jesus crescia em graça e sabedoria (cf Lc 2, 52), era conhecido como o filho do carpinteiro (cf Mc 6, 1-6), sendo judeu assume a história, lutas e aspirações do seu povo, suas tradições, sendo capaz de percorrer um caminho para enfrentar os grupos dominantes da sua época, fruto da dominação romana daquele período e dos grupos religiosos judeus, pois estes controlavam: a lei, a religião e o templo[49].

Jesus assume o projeto do Pai, de anunciar o reino de Deus, sendo coerente até o fim, enfrentando contestações, perseguições até a morte. Esta sua atitude e prática se apresenta como um grande educador, mostrando a importância em assumir a realidade, conhecê-la para poder reeducá-la, transformando-a.

Cristo “assume plenamente a condição humana:trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano”[50]. Foi um homem sensível  à situação de opressão verso os pobres, “ele percorria todas as cidades e povoados ensinando nas sinagogas e pregando o evangelho do reino, enquanto curava toda sorte de doenças e enfermidades. Ao ver a multidão teve compaixão dela, porque estava cansada e abatida como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 35-36a).

O  Mestre não teve medo de defender a vida ameaçada, ultrapassava todo sistema do seu tempo, cura em dia de sábado, testemunhando que o amor e a misericórdia esta acima da lei (cf Mt 12, 9-14). Ele entra em contato com a mulher marginalizada porque era doente (cf Mt 9,18-26), perdoa a pecadora (cf Lc 7, 36-45), não foi insensível a dor de uma mãe que perdeu o seu único filho (cf Lc 7, 11-17).

Jesus dá consciência aos discípulos e apóstolos, que é somente através da partilha dos bens e da prática da justiça (cf Mc 6, 30-44), em um processo de conversão no acolhimento dos pequenos (cf Lc 19, 1-10), que será possível fazer acontecer o reino de Deus, aqui e agora. Ele revela-se como um homem profundamente humano, mas plenamente divino[51].

O educador catequista é chamado à assumir as atitudes de Jesus, revelando o verdadeiro discipulado no seguimento de Cristo.

 

3.3.1 Jesus educa através de um itinerário gradual     

 

         Jesus com seu método educativo, penetra na vida do homem,  através do:

Ø    Diálogo, convida a conversão e a fé

Ø    Realiza milagres

Ø    Esteve com os pecadores

Ø     Faz o anúncio do reino por meio de parábolas

Ø     Denúncia as injustiças

 

Jesus dialoga e convida a conversão

 

Com seu método, devagar vai educando a consciência humana para que seja ciente da realidade  que o escraviza e impede de viver com dignidade a sua filiação divina. Temos o exemplo da Samaritana onde Jesus apresenta a sua necessidade natural “dá-me de beber” (Jo 4, 7), ela questiona, porque não era normal que o judeus se aproximassem de um samaritano, em especial de uma mulher.

Devagar vai mudando a realidade e o seu segredo vai revelando-se, “aquele que bebe desta água terá sede novamente; mas quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede, pois a água que eu lhe der tornar-se-á nele fonte de água jorrando para a vida eterna” (Jo 4, 13-14);  e vai entrando na realidade da Samaritana: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha sede, nem tenha de vir mais aqui para tirá-la! Jesus disse: vai, chama  teu marido e volta aqui. A mulher respondeu, não tenho marido, Jesus lhe disse: pois tiveste cinco maridos e o que agora tens não é teu marido, nisto falaste a verdade” (Jo 4, 15-18).

         Jesus entra na realidade histórica da  pessoa, a compreende, usa o processo gradual para revelar-se; ela percebe que é um homem diferente dos outros e diz: “Senhor, vejo que és um profeta [...]” (Jo 4, 20).

Ele se revela como Messias, não se impõe no contato pessoal com o homem. A sua revelação transforma a vida, porque manifesta-se como “caminho, a verdade e vida” (Jo 14, 6). “A mulher lhe disse: sei que vem um Messias (que se chama Cristo). Quando ele vier, nos anunciará tudo. Disse-lhe Jesus: Sou eu, que falo contigo” (Jo 4, 25).

O processo educativo de Jesus na sua revelação à samaritana, através do diálogo, entrou na sua verdade profunda, suscitando nela o desejo de conversão e a fé no mestre, transformando-se em sua discípula. Assim Jesus continua a metodologia do Pai, como fez com o povo de Deus, para libertá-lo do Egito e conduzi-los à terra prometida (cf Ex 13, 17-22)[52] .

 

Jesus realizou milagres

 

           Os milagres realizados por Jesus são sinais para quem já acredita, confirma a fé, não constringe ninguém a acreditar, mas doa luz a quem à possui, pois através da fé, abre-se a ela. Com o milagre Jesus quer proclamar que Deus é para o homem, e que o Pai deseja a salvação total dele que ultrapassa a cura física. A salvação requer colaboração humana, com responsabilidade e participação que respeita o seu caminho lento, onde o amor de Deus entra na vida do homem e o salva. Podemos dizer que milagres não são os caminhos normais para resolver os problemas humanos[53].

          A cura da mulher que sofria de um fluxo de sangue há doze anos  foi realizado por Jesus porque demonstrou que acreditava, tanto que ele perguntou quem o havia tocado (cf Lc 8, 40-48), ele confirma sua fé curando-a.

         A ressurreição da filha de Jairo, também confirma a fé que havia em Jesus (cf Lc 8, 49-56); nas bodas de Cana, Maria recorda ao seu filho que o vinho da festa acabou, sabendo que podia fazer qualquer coisa, diz aos serventes para fazer tudo o que ele dissesse (Jo 2, 5); a cura da filha de uma mulher Cananéia, onde demonstra a sua grande fé na pessoa de Jesus, reconhecendo que somente ele poderia realizar a libertação da sua filha (cf Mt 15,21-28).

 

Jesus esteve com os pecadores

          

           Jesus estando com os pecadores revela a Senhoria e a paternidade de Deus encarnado na sua pessoa, a misericórdia que perdoa os pecados, mas ama o pecador, atraindo-os com seu amor. Temos o caso de Zaqueu, publicano, cobrador de impostos, considerado um pecador pois roubava das pessoas; ao encontrar-se com o mestre que o acolhe, reconhece os seus pecados, e decide-se a mudar de vida, convertendo-se à prática da justiça (cf Lc 19, 1-10)[54].

          A mulher adúltera condenada a morte pela lei, e Jesus questiona o comportamento dos fariseus, perguntando quem é que não havia pecado, que atirasse a primeira pedra, no entanto ninguém atirou, porque a consciência pesou. Ele se aproxima da mulher com seu gesto misericordioso, que a transforma, pois se sente amada em tudo aquilo que era, ao mesmo tempo perdoada, neste momento inicia o seu processo de conversão, que se tornará a discípula do mestre e testemunha do seu amor (cf Lc 8, 1-11).

           Jesus cura a doença física, espiritual e restabelece na pessoa uma nova vida na sociedade, o coração renovado é o princípio de qualquer transformação, assim a salvação revelada pelo Senhor atinge todas as dimensões do homem.

           O convite a conversão e a fé, é a mensagem que trás os milagres realizados por Jesus e a sua convivência com os pecadores. O Pai é a fonte da  felicidade do homem, e a meta dos seus desejos, do contrário será um total falimento a sua realização[55] .

       A conversão é a mudança de mentalidade (metanóia), de ritmo de vida, de tudo que escraviza a pessoa, fazendo de Deus a rocha segura para construir a própria vida de fé ( cf Mt 7, 24-25).

 

Jesus anunciou o reino por meio de parábolas

 

O povo judeu esperava o messias prometido, que viria libertá-los de todo tipo de opressão política existente, segundo as interpretações proféticas. Havia muitas maneiras de pensar e de interpretar sobre a figura do messias, quando ele viesse e como seria: um rei (cf Mc 15, 2.9.18.32), um juiz (cf Lc 3, 5-9), um santo (cf Mc 1, 24), um revolucionário (cf Mc 23, 5), um doutor (cf Jo 4, 25; Mc 1, 22-27), um profeta (cf Mc 6, 4; 14, 65).

         Somente não pensavam que o messias assumiria características de servo do seu povo e de toda humanidade, segundo o profeta Isaías (cf Is 42,1; 49, 3; 52, 13). Cada um defendia a sua posição social, aguardando a vinda do seu messias, fazendo suas interpretações com confusões de idéias[56].

         O anúncio do reino revela a Senhoria e a paternidade de Deus, que curva misericordiosamente sobre o homem, servo do terrível padrão (as doenças, o pecado, satanás), para reconduzi-lo à liberdade dos filhos de Deus[57].

         Jesus no anúncio do reino de Deus por meio destas atitudes fundamentais: realizou milagres, esteve com os pecadores, convidou a conversão e a fé e falava por meio de parábolas para ser mais compreensível.

          O mestre para ser compreendido pelo seu povo utilizava uma linguagem conhecida no ambiente agrícola da Palestina, contava estórias em maneira figurativa, fazia comparações, para dar sua mensagem, usava parábolas, pois fazia parte da sua cultura utilizar este método, e devagar ia revelando os mistérios do reino de Deus. Não são simples símbolos e comparações, mas um confronto entre a realidade terrena vivida, com o mundo sobrenatural anunciado por Ele.

           As parábolas por Jesus contadas têm como finalidade apresentar o reino de Deus como uma realidade que supera os projetos humanos, porque vem do Pai; é uma realidade misteriosa que entra em contraste com a pretensão humana, como por exemplo a parábola da mostarda, onde manifesta a iniciativa de Deus em semear este reino, a semente crescerá enquanto o agricultor dorme, é como se fosse uma semente colocada no coração humano, que deverá ser fecundada com sua ajuda (cf Mc 4, 26-29).

           Na parábola do filho pródigo, Deus se revela como um Pai misericordioso (cf Lc 15, 11ss) e diz que o reino dos céus é para os últimos (cf Mt 22, 1ss), para aqueles que descobrem a pérola preciosa e o tesouro (Deus) no campo e são capazes de venderem tudo para possuí-lo (cf Mt 13, 44ss). Portanto cada parábola do reino, incita a colaboração humana para a sua realização.

 

Jesus denúncia as injustiças

 

         A denúncia de Jesus, não é para fazer confusão, mas para dar vida ao último da sociedade. “[...] se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus” ( Mt 5, 20). Ele exige dos seus discípulos que a prática do amor não deve ser igual a dos escribas e fariseus. Esta denúncia inicia dentro de casa (templo, doutores da lei, fariseus), com pessoas que deveriam ser exemplos do amor misericordioso do Pai.

         Renova a lei antiga dizendo: “não penseis que vim revogar a lei e os profetas,[...] mas para dar-lhes pleno cumprimento[...]” (Mt 5, 17); e planta a lei do amor “se amais aos que vos amam, que recompensa tendes? não fazem também os publicanos a mesma coisa? [...] portanto,deveis ser perfeitos como vosso pai celeste e perfeito” (Mt 5, 46).

        Somente um coração aberto a novidade do reino poderá colaborar com a sua implantação, ao contrário serão pedras no caminho. “Não julgueis para não serdes julgados [...], hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão (Mt 7, 1.5).

           Jesus motiva os seus discípulos a serem corajosos, e capazes em darem a vida pela causa do reino, porque a recompensa será grande,“não tenhais medo deles, pois nada há de encoberto que não venha a ser descoberto, nem de oculto que não venha a ser revelado [...]; todo aquele que se declarar por mim diante dos homens, também eu me declararei por ele diante do meu Pai que está nos céus (Mt 10, 26.32).

 

3.3.2 Jesus educa a seguí-lo

 

         Jesus realiza a missão, educando o discípulo a seguí-lo através de algumas condições:

Ø     Assumir a cruz

Ø     Aceitar a ser servo

Ø     Com um amor incondicional

 

Assumir a cruz

 

 “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me”(Mc 8, 35).

 

Ouvir estas palavras de Jesus, dá-se uma sensação de dureza e radicali-

dade. Ele não é meio termo, quem não está contra ele é a seu favor.

           Seguir o mestre é assumir um compromisso com a verdade, pois é ela que trará libertação (cf Jo 8, 32), mas não sem conflitos e sofrimentos internos; é estar com os pés no chão da realidade histórica que se vive.

           Cristo conhecia o sofrimento do seu povo, tanto que fez a opção pelos pobres e marginalizados da sociedade. Defendia-os, acolhia-os, realizava curas físicas e espirituais (milagres), saciou a fome (cf Jo 6, 1-14).

           Assumir os conflitos que o seguimento provoca, provém de um amor apaixonado pelo reino, (a pessoa de Jesus e sua causa) no anúncio da Boa notícia, na capacidade de utilizar a sabedoria e a prudência na denúncia das injustiças sociais, onde milhões de pessoas são dominadas pela cultura da morte, não tendo o direito de exercer a sua cidadania, ou podemos afirmar, o direito de ser Pessoa. Somos convidados a construir um reino de justiça, paz, solidariedade e partilha[58].

 

Aceitar a ser servo

 

“Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz” (Fil 2, 6-8).

 

          Jesus assumiu o seu ministério profético na condição de servo de Yahweh, sendo Deus, Filho do Pai, não reivindicou um tratamento divino (a glória que poderia ter) na sua condição humana. O título de Servo se opõem ao de Senhor, preferiu na sua vida de homem a submissão, a humildade, a obediência, sendo igual a todos (exceto no pecado), partilhou as fadigas, as fraquezas desta humanidade.

          Cristo era tão humano que quando iniciou a manifestar  a sua missão divina (divindade), não foi aceito e diziam: “não é o filho de José? em seguida acrescentou: em verdade vos digo que nenhum profeta e bem recebido em sua pátria” (Lc 4, 22.24).  

           Quando chegou a hora de Jesus, determinado para a sua partida, celebrou a páscoa com seus discípulos. Durante a ceia um dos gestos fundamentais, foi de tirar o manto e pegar uma toalha para lavar os pés dos discípulos (cf Jo 13, 4-5). Proveniente de uma longa tradição, este serviço era feito por um servo (cf 1 Sm 25, 41).

            O mestre deu o exemplo com este gesto humilde, o primado do serviço ao próximo e não de quem o domina. A sua capacidade de serviço atingiu o seu máximo com sua paixão, sendo uma doação total dando a vida pela redenção dos homens.

            Cristo recorda sempre aos seus seguidores, que não é privilégio seguí-lo, mas um serviço, e somente quem encontrou-o pessoalmente é capaz de perder a própria vida para doá-la a quem necessita. “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa minha, vai encontrá-la” (Mt 16, 24-25).

     

Com um Amor Incondicional

 

    “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; desse modo vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, [...]” (Mt 5, 44-45).         

 

         Jesus ensina uma lei nova, o amor, ele sabe o que está no coração do homem, e que as relações humanas são importantes e precisam ser curadas. O relacionamento entre pais e filhos, marido e mulher, com os parentes, no trabalho, nas comunidade.

          O mestre ensina a partir da raiz, onde deverá desenvolver a base dos relacionamentos entre os homens: Ama o teu próximo como a si mesmo (cf Mt 22,39). O próximo é uma pessoa como eu, que deve ser amada, não porque adquiriu qualquer mérito, mas porque é filho de Deus, no seu Filho que é amor (cf 1Jo 3, 1).

        A educação do coração humano realizada por Jesus,  desenvolve-se por intermédio de um processo no qual a  linguagem é adaptada àqueles que o escutam, sendo respeitável, vivenciando o que anuncia e dizendo: não façam com os outros aquilo que não desejas que façam com vocês, elevando a lei do olho por olho e dente por dente (cf Mt 5, 38-42).

          Educar a verdade, é o caminho que conduz o homem a ser ele mesmo, dando consciência de que é feito para amar e ser amado e não existe realização plena a não ser no amor.

         Quando Jesus proclama, “felizes os  mansos  porque  herdarão a terra”

( Mt 5, 4), ele faz o convite a cada um a entrar na profundidade de si mesmo e entender que a violência não poderá apagar este amor. Todos já fizeram a experiência de acumular ódio, ressentimento, cultivando a agressividade e arrogância, que mata dentro de si a alegria de viver consigo mesmo e com os outros.

         Paz, perdão, solidariedade, são sementes depositadas pelo criador no coração de cada pessoa, que exige colaboração, para crescerem e produzirem frutos, porque são continuamente ameaçados pelo egoísmo, que o homem traz consigo.

         A vitória de Jesus ressuscitado sobre a morte, doa nova energia e capacidade, com Ele, homens e mulheres podem crescer rumo a plenitude do próprio ser e contribuir para propagar a civilização do amor[59]

 

3.4 Os Primeiros Cristãos modelos de Igreja juntos com Maria

 

             Este tema questiona a identidade da Igreja hoje, desejosa de dar maior consciência aos seus membros, e retornar a sua origem[60]. Em nossos dias a maioria que se diz cristãos porque foram batizados, não sabe o fundamento da sua fé, é neste momento que a presença do catequista educador se torna importante.

          Jesus chamou a si discípulos(as) e os apóstolos, devagar foi educando-os na fé em Deus Pai misericordioso, manifestando o desejo de salvar a todos, começando dos últimos da sociedade. Cristo inicia o gérmen da Igreja, anuncia o reino de Deus, convive com eles[61].

          Foi no dia de Pentecostes que este gérmen de vida nasce (Igreja), quando estavam todos reunidos, juntos com Maria, embora tinham medo, devido a morte cruel do mestre. “De repente veio do céu um ruído como o agitar-se de um vendaval impetuoso, que encheu toda a casa onde se encontravam. e todos ficaram repletos do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia” (At 2ss).

           O Espírito Santo em Pentecostes deu aos primeiros cristãos o impulso missionária de anunciar a todos as maravilhas do Senhor, mas o detalhe deste evento é que a partir daí, os discípulos e apóstolos permaneceram unidos em comunidade, em um só coração e uma só alma, desejosos de serem fiéis na seguimento de Cristo, na escuta da Palavra, na fração do pão e na comunhão fraterna (cf At 2, 42-47).

           Os primeiros cristãos aprenderam o seguimento por meio da escuta assídua da Palavra de Deus, vivida dentro da comunidade, o anúncio, a Eucaristia e a comunhão fraterna, são consideradas características das primitivas comunidades que viviam unidas no poder do Espírito, cresciam e se multiplicavam (cf At 2, 24).

           É no coração da Trindade que nasce a Igreja (do lado aberto de Cristo, onde jorra sangue e água), que impulsionava a cada um a ser testemunha de Cristo, mesmo sofrendo perseguições, a Palavra de Deus era divulgada por toda parte, “iam de um lugar para o outro, anunciando a Palavra” (At 8, 4)[62].

           Não tinham medo de sofrer, e terem que dar a vida por causa da fé professada em Jesus, pois haviam feito a experiência do amor de Deus revelado em Cristo. O testemunho era a força do anúncio, que entrava em qualquer cultura, raça e lugar, respondendo aos anseios profundos de cada povo. A Palavra anunciada, era acolhida, transformava, renovava e libertava o homem.

            A certeza de que Jesus com sua morte e ressurreição é o salvador da humanidade era profunda, sendo a base da catequese (kerigmática) dos primeiros missionários(as), que provocava tantas conversões, pois anunciava a pessoa de Jesus e seu projeto de salvação, anúncio do reino de Deus.

             A vida dos primeiros cristãos questiona a vida atual da Igreja, pois é chamada a colocar a Palavra de Deus como centro das comunidades, solidificada pelo testemunho de vida de cada um, aberta e disponível para a missão[63]; que não esteja a esperar, que o povo venha às comunidades, mas é convidada a ser capaz de ir ao encontro de outros povos e culturas, com a capacidade de despojar-se da própria pátria, para testemunhar o Cristo até os confins do mundo (cf Mc 16ss). Sendo este o objetivo das primeiras comunidades no encontro com as culturas, o evangelho valorizava, exaltava e purificava, diferentemente dos conquistadores da época (império romano).

           A Igreja missionária não tinha um posto fixo, mas seu ponto de encontro eram as casas (não tinham templos, lugares de culto) dos seguidores de Jesus, que se reuniam em pequenos grupos, em torno da Palavra e rezavam juntos, celebrando a Eucaristia, partilhando o pão com os necessitados, para depois partir em missão.

 

3.4.1 A Igreja do Novo Milênio

 

            A Igreja deve retornar a origem dos tempos apostólicos, para responder as expectativas dos adultos cristãos de hoje que se encontram nesta sociedade pluralista e secularizada[64].

 

            O sonho deve tornar-se realidade por uma Igreja:

 

Ø     De santidade, onde se favoreça a experiência mística da comunhão Trinitária: Em Deus Pai que é amor misericordioso, no seguimento de Jesus Cristo, Senhor da nossa existência e do Espírito Santo, que aquece e ilumina os corações.

 

Ø     De comunidades, que imite a Trindade divina, e viva o amor mútuo, na partilha fraterna e não haja descriminação. Que se crie comunidades nas periferias e sobretudo aonde se aumenta a população e assim favoreça o seu encontro com Deus, e entre os irmãos, e sejam valorizados a fraternidade, a comunhão e participação.

 

Ø     Da missão, sendo aberto para ir ao encontro dos irmãos afastados, que não conhecem Jesus, e dar a Boa notícia, seja pela palavra, a vida, e celebrações litúrgicas.

 

Ø     De ministérios, aproveitando os dons e carismas e a disponibilidade de cada membro, onde não prevaleça o clericalismo centralizador.

 

Ø     Do serviço, que seja capaz de educar os que sofrem, para as práticas evangélicas da justiça e solidariedade na transformação da sociedade.

 

Ø     Do diálogo, que saiba comunicar-se com as novas linguagens atuais, reconhecendo e valorizando os valores existentes fora da Igreja.

 

Ø     Da acolhida, no esforço em ser mais misericordiosa, menos legalista, para receber as pessoas com suas esperanças e alegrias, dando espaços para novos membros, que trazem consigo novas idéias e maneiras de agir diversos.

 

Ø     Da alegria, que nasce da fé em Cristo, sendo testemunha do evangelho.

 

Ø     Da criatividade, para responder as novas situações desafiantes existentes e atentas para não perder o essencial, e ser fiel a mensagem de Jesus, adaptando-as a linguagem atual.

 

Ø     Do Espírito Santo, sendo dócil e obediente a Ele que é o protagonista da evangelização.

 

Ø     Da profecia, para ser capaz de denunciar o sistema econômico capitalista, que divulgam o deus do poder, do prazer e do ter, afastando o homem do Deus da vida, conduzindo-o a morte tantos irmãos(ãs).

 

Ø     Da pobreza, colocando-se do lado do pobre (meios populares), não tendo a pretensão de triunfar, não se apegando ao supérfluo, havendo um espírito de partilha com os menos desfavorecidos, seja bens espirituais e materiais, na luta por uma melhor condição.

 

Ø     Do martírio, pois assume as conseqüências do anúncio do reino de Deus, mesmo sendo perseguida, incompreendida, a sua única confiança é o Senhor.

 

Ø     De Maria, que aprende com seu silêncio e oração a reconhecer e cantar as maravilhas do Deus.

 

           Somente cristãos adultos e maduros na fé, poderão realizar este sonho de Igreja, atuando na evangelização e nas comunidades eclesiais, sendo voltados para Deus e a humanidade, não fechando-se em si mesmos, mas serão mediação, caminho, sacramento e indicação[65].

 

3.4.2 Os Primeiros Cristãos juntos com Maria

 

            A Igreja primitiva aprendeu com Maria à abrir-se a Palavra de Deus sob ação do Espírito Santo, “eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim

segundo a tua palavra” (Lc 1, 38); Seja na encarnação na anunciação e em pentecostes. Na abertura a palavra envolve todo o ser da pessoa, como o Fiat mariano-eclesial, que não é simplesmente um conhecimento teórico, mas um processo de assimilação vital, para unificação da vida do cristão[66].

            A atividade meditativa mariana-eclesial, tem Maria como modelo que soube escutar a palavra e guardá-la no seu coração (cf Lc 1, 51), e junto com a comunidade primitiva perseverava em oração na escuta da palavra (cf At 1, 14). Este é um comportamento contemplativo, fruto da ação do Espírito que conduz a pessoa a ser totalmente consagrada a caridade, sendo o ponto mais alto do profetismo cristão e fecundo da Igreja.

            O modelo eclesial materno e missionário é Maria, aos pés da cruz, na sua oração silenciosa de doação, de amor e de dor, produzindo a maternidade universal. Maria que sob à ação do Espírito Santo que a fez mãe na encarnação e na cruz, fez com que a Igreja se tornasse mãe em pentecostes. A sua fidelidade à ação do Espírito, se torna modelo para toda Igreja que continua prolongando o seu sim, por meio da meditação da palavra, ajudando-a a ser esposa fiel a Cristo, mãe fecunda e missionária[67], isto é, “sacramento universal de salvação” [68].

 

3.5 Formar Catequistas para o Diálogo Inter-religioso

 

            Sendo o catequista um educador na fé, que têm nas mãos as consciências das pessoas a serem formadas, ajudará a evitar o fundamentalismo na Igreja, que é a base da “intolerância acompanhada da violência e rejeição da alteridade”[69].

           O diálogo é à alternativa para responder contra a um dos grandes maus da atual sociedade. Os cristãos são chamados a darem testemunho de vida, para que a humanidade se renove a partir do diálogo com o diverso.

           O catequista preparado fará do diálogo o conteúdo da sua catequese, educando “para a cooperação ecumênica e o diálogo inter-religioso, no pleno respeito a cada identidade de fé”[70].

           Muitas vezes o pluralismo religioso traz consigo o medo da diversidade. O conhecimento do diverso com seus valores, deverá fundamentar a identidade cristã. O respeito ajudará a entrar em diálogo, mas isto não quer dizer que deve identificar-se com o grupo que  está em contato para um conhecimento mútuo.

            A formação dos futuros cristãos está sob a responsabilidade dos catequistas, que atualmente é desafiante; ou se forma pessoas realmente convictas da sua fé, que passará por uma experiência profunda do amor de Deus na sua história, que a impulsionará a fazer a opção de fé (identidade); ao contrário não será possível professar-se cristão devido ao pluralismo religioso, e muitos fazem ofertas enganosas aproveitando da ignorância do povo.

            A arte do diálogo no atual contexto pluralista, com tanta confusão religiosa, se torna urgente a instrução nos fundamentos católicos, do ecumenismo e do diálogo inter-religioso oferecidos pelo Concílio Vaticano II, quanto as “posturas e afirmações novas em relação aos irmãos cristãos de outras Igrejas e as pessoas de outras religiões”[71].

           A Igreja católica no seu magistério já superou o fundamentalismo, mas ainda não chegou ao conhecimento da base estas verdades ensinadas  há quarenta anos. É por isso que se vê tantos católicos fundamentalistas, proselitistas, fazendo confusões e defendendo posições superadas pela Igreja[72].

           Se nota que o pluralismo é presente seja na sociedade e na família, por este motivo verifica-se a urgência de uma catequese que eduque “para a cooperação ecumênica e o diálogo, no pleno respeito a cada identidade de fé”[73].

 

3.5.1 O Diálogo Inter-religioso

 

           O diálogo inter-religioso se é dividido em três grupos:

Ø     Os não católicos, mas cristãos

Ø     Os não cristãos

Ø     Os não crentes

 

Cristãos não católicos

 

            São todos os batizados que não professam integralmente a fé, ou não conservam a unidade de comunhão com o sucessor de Pedro[74].

            Existem tantos que têm como norma de fé e vida a Sagrada Escritura, conservando-a com muita honra e um sincero zelo religioso; acreditam no amor onipotente de Deus Pai por meio de Jesus o seu unigênito e salvador da humanidade.

            Muitos reconhecem na suas Igrejas ou comunidades eclesiais, outros sacramentos, como o episcopado, a celebração Eucarística e cultivam a devoção a mãe de Deus.

            Existe a comunhão através da oração e dos benefícios espirituais, por meio do Espírito Santo que santifica com seus dons e graças, para serem testemunhas até o martírio.

 

Os não Cristãos

 

Ø     Os Hebreus não professam a fé em Jesus Cristo, porque não receberam a  proclamação da Boa Notícia, fazem parte do povo de Deus, mas de maneira diversa.

Em primeiro lugar está o povo  hebreu ao qual o Senhor chamou-os por meio de seus primeiros pais. Deus não retorna atrás no seu chamado, é fiel as suas promessas; “quanto ao evangelho, eles são inimigos por vossa causa; mas quanto à eleição, eles são amados por causa de seus pais. Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” (Rm 11, 28-29).

É deste povo eleito “os israelitas, aos quais pertencem a adoção filial, a glória, as alianças, a legislação, o culto, as promessas, aos quais pertencem os patriarcas, e dos quais descende Cristo, segunda a carne, que é acima de tudo, Deus bendito pelos séculos” (Rm 9, 4-5)[75].

 

Ø     Os Mulçumanos professam a mesma fé de Abraão, adorando o Deus único e   misericordioso, que no juízo final julgará todos os homens. Os desígnios de Deus para a salvação são imensos  e abraçam todos àqueles que o reconhecem como criador, em    especial estes nossos irmãos[76].

                    Eles reconhecem em Jesus um grande profeta e não como Deus;

honram a sua mãe a Virgem Maria e a invocam com devoção.   São  zelosos pela vida moral e prestam culto a Deus por meio da oração, esmolas e jejuns. Por muitos séculos cristãos e mulçumanos foram inimigos. A Igreja por meio do seu magistério, exorta a todos a prática do perdão em uma mútua compreensão ao passado, defendendo e promovendo em favor de todos os homens, a justiça social, os valores morais, a paz e a liberdade.

 

Ø     O Budismo e o Hinduismo, são aceitos pela Igreja com as verdades que nelas existem, mas não é por isso que deixará de anunciar Jesus Cristo, e todas as verdades que podem iluminar a vida dos homens[77]. Nestas religiões existe uma sensibilidade ao Ser Supremo, à Divindade, ao criador de tudo, Deus. No hinduísmo, os homens perscrutam o mistério divino por meio dos mitos e da filosofia.  Buscam a libertação de toda angústia proveniente da condição humana por meio da vida ascética e da meditação profunda, buscando refúgio em Deus com amor e confiança.

 

No Budismo, segundo a teoria das várias escolas, se  reconhece  a  insuficiência deste mundo. Ensina-se aos homens o caminho do coração piedoso e confiante para ser capaz de adquirir o estado de libertação perfeita, até chegar ao de iluminação suprema, por meio de esforços individuais e contando com o auxílio divino. Todas as religiões no mundo buscam a libertação das inquietudes do coração por meio de doutrinas, preceitos de vida e ritos sagrados.

 

Os não Crentes

 

           Os não crentes são pessoas que negam a existência de Deus de várias maneiras, é um fenômeno moderno, pois antigamente não existia esta expressão (ateu).

           O homem é chamado a viver em comunhão com Deus, dando-lhe assim uma grande dignidade, a partir do seu nascimento. Ele foi convidado a dialogar com o seu Senhor porque é estado criado por amor e conservado no amor, segundo a verdade na liberdade[78].

         Alguns anos atrás dizia-se ateu, pessoas da classe média e alta sociedade, que estudavam a filosofia, afirmando que a religião era para os pobres, ignorantes, pois não havia nenhuma possibilidade de progredir. Neste século a secularização é de massa, contagiando até as populações rurais, substituindo a religião[79], pelo deus do poder, prazer e ter, incentivados pela mass média.

         Tantos negam explicitamente Deus, outros dizem que o homem poderá fazer qualquer afirmação sobre ele; outros examinam o problema de Deus com métodos sem sentido; alguns ultrapassam a ciência positiva pretendendo explicar tudo somente do ponto de vista cientifico, não admitindo mais a verdade absoluta; ainda existem pessoas que exaltam demais o homem e que a fé em Deus não serve a nada ou criam representação do Senhor que é contraditório com o evangelho, como também existem comportamentos indiferentes que não se perguntam sobre sua existência, manifestando total indiferença[80].

         Todos que negam conscientemente as iluminações da sua consciência moral, afastando-se de Deus, são responsáveis por seus atos.

        Os próprios cristãos têm responsabilidade por esta situação devido o contra testemunho dos valores evangélicos, por não procurarem amadurecer e educarem a própria fé, por meio da doutrina, da moral e vida social, escondendo o verdadeiro rosto de Deus e da religião.

        A Igreja convida a todos, crentes ou não a contribuírem com a edificação deste mundo, onde todos vivem juntos, embora não apóie  de maneira absoluta o ateísmo. É necessário um diálogo prudente e sincero para evitar todo tipo de descriminação[81].

        Existe “um determinado sonho a respeito da Igreja, para que seja adulta, madura, composta de pessoas livres, conscientes da sua fé, que assumem sua subjetividade na experiência de vida em comunidade, pessoas cientes do posicionamento diferente que assumem diante dos valores propostos por outras igrejas e religiões e pela sociedade civil, pessoas capazes de diálogo e de crítica, profetas diante das novas expressões idolátricas dos tempos atuais”[82].

 

3.5.2 O Pluralismo Religioso Cultural Brasileiro

 

          A cultura e a religiosidade brasileira desde a sua origem é plural e não uniforme. Contribuirão para esta realidade pluralística, a dominação portuguesa, a presença indígena e africana e mais tarde outras presenças como a européia e asiática[83]. Ainda temos a predominação de um catolicismo sincrético divididos em seis categorias:

 

Ø     O catolicismo oficial, que é marcado pelo poder religioso, pelos estudos filosófico e teológico.

 

Ø     O catolicismo popular, vivido pela classe empobrecida, com suas características devocionais, influenciadas pela religiosidade indígena, afro-brasileira e esotérica.

 

Ø     O catolicismo sensível a parte social e política, com consciência participativa para a transformação evangélica da sociedade.

 

Ø     O catolicismo do renovamento espiritual, de índole pentecostal, onde predomina a devoção e filiação a movimentos internacionais, que tem, dificuldades em perceber a missão profética da Igreja na realidade brasileira, que é predominada pela grandíssima injustiça social.

 

Ø     Catolicismo rural, sofre suas evoluções pelo crescente secularismo, bombardeados pelas grandes ofertas mediais, fazendo valer sempre as tendências do poder, prazer e ter[84].

      

          A maioria no Brasil se declara cristãos católicos, portanto temos o desafio para a catequese de aprofundar a sua identidade cristã, e ajudar os cristãos a terem consciência de outras confissões religiosas, educando-os para o diálogo inter-religioso e ecumênico, para buscar ter uma convivência pacífica e fraterna, então se faz necessário “conhecer as religiões, igrejas cristãs e cultos presentes na realidade local[85]. Com tantos movimentos religiosos surgindo, e não são devidamente conhecidos, sendo alguns “com matrizes cristãs, outros derivam de religiões orientais e outros se baseiam em tradições esotéricas”[86]a disponibilidade ao diálogo deve ser sempre presente, para a superação dos preconceitos.

         É necessário uma formação permanente sólida para os cristãos, assim conservarão a própria identidade de fé diante de tantas ofertas e solicitações religiosas. Se deverá insistir naquilo que é específico no cristianismo: “Trindade, Encarnação, unidade da natureza divina na pessoa do Verbo, a ação da graça divina, a unidade da matéria-espírito” [87].

        Tudo que é positivo nestas expressões religiosas, deverá ser iluminada à luz do evangelho, porque é um grande areópago a ser evangelizado, sendo Cristo a resposta a todos os anseios humanos.

 

3.6 Conclusão

 

         O terceiro capítulo quis acentuar Cristo como modelo de educador, iniciando com sua encarnação na história, para realizar o plano salvação do Pai. A revelação de Deus a conhecemos por meio da Sagrada Escritura e do Magistério, com um percurso educativo Deus promete e cumpri a sua promessa de salvação através o seu Filho Jesus Cristo.

            Esta Palavra por intermédio da catequese se encarna no dia a dia do homem, na sua história e cultura, tornando-se vida dentro de uma comunidade.    

            Jesus Cristo o missionário do Pai, enviado ao mundo para anunciar as novidades do reino,  revelou na sua pessoa o reino Deus. Ele é  educador, que educa o homem com sua pedagogia gradual, atingindo o coração daqueles que se deixarão seduzir pela sua novidade e proposta radical.

            As comunidades dos apóstolos e dos primeiros cristãos juntos com Maria são modelos para a Igreja do novo milênio, que deseja renovar o seu primeiro amor (mestre Jesus).

            Cristãos maduros são aqueles que sabem respeitar culturas, credos, raças diversas, não deixando de denunciar quando estas não são construtoras de paz, de solidariedade, de justiça entre os homens.

            O Homem, Cristo e a Igreja, são conteúdos da catequese, que não poderão ser esquecidos no exercício do ministério. O saber do catequista é um saber, antropológico-cristocêntrico-eclesial, esta consciência deverá sempre ser presente no seu coração e na sua mente.

           Por ser uma pessoa inserida na realidade que atua, deverá abrir-se para  o diálogo inter-religioso e ecumênico, para aos poucos iniciar um processo de educação para esta capacidade com os seus catequizandos. O saber do catequista é para ajudá-lo a participar conscientemente da vida da Igreja na qual ele assumiu a missão de apóstolo de Cristo. 

 

 

  

          

          

 


 

[1] Cf RMi, 18; GS, 22.

[2] Cf RM, 26, 37-46; RVM, 10,14-15.

[3] Cf LG, 7.

[4] Cf DNC, 333.

[5] Ibidem, 344-346.

[6] Cf E. ALBERICH,“La catechesi oggi”, Elle Dici, Leumann (Torino) 2001, 24.

[7] Ibidem, 87.

[8] Cf CT, 5.

[9] Cf E. ALBERICH, “La catechesi oggi”, op. cit., 81.

[10] Cf DV, 2.

[11] Ibidem.

[12] Cf B. CANSI, “Catequese Educação da fé”, Vozes, Petrópolis 1994, 62-63.

[13] Ibidem.

[14] DGC, 39.

[15] Ibidem.

[16] DGC, 41.

[17] Ibidem.

[18] Cf A. BOLLIN – F. GASPARINI, “La catechesi nella vita della Chiesa”, Paoline, Roma 1990, 229 ; L. MEDDI, “Educare la fede”, Messaggero, Padova 1994, 46.71.

[19] Cf  2ª SBC, 486.

[20] Ibidem, 457-458.

[21] CR,  89.

[22] SBC, 457.

[23] Ibidem, 460.

[24] DNC, 179.

[25] Cf B. CANSI, “Catequese e Educação da fé”, op. cit., 87.

[26] Cf  2ª  SBC, 460.

[27] Cf DNC, 178.

[28] Ibidem, 461.

[29] Cf 1ª SBC, 138; CR, 318.

[30] Cf FdC, 64.

[31] DNC, 174.

[32] Ibidem, 175.

[33] Ibidem, 176.

[34] Cf E. RASCHIETTI, “O incontro com Jesus Ressuscitado, revigora o ardor missionário dos discípulos”, www. missiologia.org.br, 1-2.

[35] Ibidem.

[36] Cf P. SUESS, “A missão de Deus e a missão dos cristãos”, www. missiologia.org.br, 1.

[37] Ibidem.

[38] Cf DI, 10.

[39] Cf  CEI, “Comunione e comunità missionaria”, Paoline, Milano 1986, 5.

[40] Ibidem, 6.

[41] Cf  E. RASCHIETTI, “O incontro com Jesus Ressuscitado, revigora o ardor missionario dos discípulos”, op. cit., 2.

[42] Cf RMi, 28.

[43] Cf R. A. MONASTERIO, A. R. CARMONA, “Vangeli Sinottici e Atti degli Apostoli”, Paidea, Brescia 1995, 124-126.

[44] I. RODRIGUES, “O conceito de Reino de Deus”, Urbaniana University Press, Vatican City 1997, 69.

[45] Ibidem.

[46] Cf RMi, 16.

[47] Cf RMi, 18.

[48] Cf  L. SERENTHAI, “Gesù Cristo Rivelatore del Padre”, op. cit., 70.

[49] Cf  2ª SBC, 299-300.

[50] GS, 22.

[51] Cf  2ª SBC, 305.

[52] Cf DNC, 237.

[53] Ibidem, 6.

[54] Cf  L. SERENTHAI, “Gesù Cristo Rivelatore del Padre”, op. cit., 67.

[55] Ibidem.

[56] Cf  2ª  SBC, 307.

[57] Cf L. SERENTHAI, “Gesù Cristo Rivelatore del Padre”, op. cit., 68.

[58] Cf 2ª SBC, 312-318.

[59] Cf RMi, 51.

[60] Cf 2ª SBC, 199.

[61] Ibidem, 194.

[62] Cf  2ª SBC, 195-196.

[63] Ibidem.

[64] Cf 2ª SBC, 199-202.

[65] Ibidem.

[66] Cf J.E. BIFET, “Teologia della Evangelizzazione, Spiritualità Missionaria”, Urbaniana University Press, Città del Vaticano 1992, 242-247.

[67] Ibidem, 258-259.

[68] LG,1; 48.

[69]SBC, 136.

[70] Ibidem, 137.

[71] Ibidem, 89.

[72] Cf Estudos da CNBB, “Com adultos catequese adulta”, Paulus, São Paulo 2001, 89.

[73] Ibidem.

[74] Cf LG, 15-16.

[75] Cf NA, 4.

[76] Ibidem.

[77] Ibidem, 2.

[78] Cf GS, 19.

[79] Cf G. MORRA, “Il quarto uomo”, op. cit., 44.

[80] Cf GS, 19.

[81] Ibidem.

[82]SBC, 173.

[83] Cf Estudos da CNBB, 69 “A Igreja católica diante do pluralismo religioso no Brasil (II)”, Paulus 1993, 9-16.

[84] Cf DNC, 148-149.

[85] DNC, 328.

[86] Ibidem, 330.

[87] Ibidem.