André
Lukamba
APRESENTAÇÃO
DE JERÓNIMO CAHINGA
Abyssus abyssum invocat
("abismo chama abismo")
Sl 42,8a .
Sem
querer elaborar aqui a exegese deste versículo (mesmo
se valeria a pena fazê-lo), quero apenas evocar a
contemplação interiorizada do autor deste Salmo. Posto
no ponto mais alto da margem do Jordão, aí onde este
rio entra no Mar Morto, o sítio mais baixo da superfície
terrestre (400m abaixo do nível do mar), o salmista
contempla o abismo profundíssimo que se abre diante de
si. Na mente de qualquer pessoa que faça essa experiência
a esperança de ver outra coisa diferente do abismo
reduz-se a zero. Fica-se com a sensação de se ter
perdido definitivamente a terra firme e se ter penetrado
numa obscuridade irreversível.
A guerra em Angola é um abismo que chama outro abismo
para cujo vazio de densa escuridão se está a empurrar
os angolanos há 40 anos. Evocou-se a guerra como única
forma possível para se acabar com o absorvente e insaciável
colonialismo português. Mal se tinha assomado aos
alvores da independência de Angola, que todos almejavam
havia séculos, logo se começou a falar de uma nova
guerra contra o que se chamava de "imperialismo
internacional" e com esta surge uma guerra de
guerrilha feroz destinada (assim se dizia) a pôr fora
de Angola o exército cubano apoiado por numerosos
especialistas soviéticos e demais países comunistas da
Europa do Leste. Quando tudo parecia finalmente
terminado, com as eleições de 1992, abrindo o coração
de todos para a esperança de um futuro pacífico e próspero,
surgiu a pior de todas as guerras que Angola jamais
conheceu. Razões: perplexidade e relutância em aceitar
os resultados de umas eleições confusas e
sofisticamente reconhecidas como válidas pela
comunidade internacional. Tratativas subsequentes
levaram a outros acordos: os de Lusaka. O ambiente bélico
em que se estabeleceram, porém, pode-se dizer
paradoxalmente que tais acordos só serviram para cavar
mais a fundo o abismo sobre o qual todos nós já estávamos
pendentes. O renascer da pouca réstea de esperança que
sobrava foi adiado sine die e com ela a reconstrução
de um país belo e rico no seu solo e subsolo mas
desfigurado, arruinado pela guerra e com um futuro
sombrio. "Abismo chama abismo"!
A guerra em Angola é uma "verdadeira 'excrescência'",
diz o autor desta pequena obra, no seu tamanho, mas
ingente no seu conteúdo e valor. É uma excrescência
porque no contexto da globalização ela facilita o seu
programa de marginalização, exclusão e eliminação
dos países e povos considerados inúteis para a evolução
técnica e económica da humanidade.
André Lukamba, sacerdote angolano, natural do Huambo, já
bem conhecido pelas suas obras principais, para além de
numerosos artigos, saídos em diversas revistas,
particularmente a DIDÁSKW, da qual é fundador, está
sensível e justamente preocupado com o atraso do seu país
em relação ao desenvolvimento técnico-científico do
mundo actual, atraso radicado sobretudo na interminável
guerra civil de Angola. Simples na linguagem, mas muito
profundo na expressão dos conceitos que desenvolve.
Estas, aliás, são as características que distinguem
este autor em todos os seus escritos e intervenções públicas.
De maneira clara e sucinta o autor introduz o leitor no
emaranhado mundo da globalização ou mundialização,
destacando as suas principais linhas de princípio e
actuação e denunciando as suas sofisticadas intenções
de governo do mundo, no qual correriam perigo a
democracia, a independência política e nacional bem
como a riqueza cultural dos países pobres,
principalmente os da África. De facto, de uma forma irónica
mas prejudicial e perigosa, os países ricos que tudo
consomem, inclusive o oxigénio do cosmos, ávida e
egoisticamente e sem olharem a meios, estão dispostos a
eliminar ou ao menos a reduzir drasticamente a população
dos países pobres, acusando-os de serem eles o perigo
para as reservas alimentares do universo.
Essencialmernte, a globalização institucionaliza a
injustiça. Inverte as prioridades: os critérios
comerciais e económicos têm prioridade sobre os critérios
de valores humanos e culturais. Dá-se privilégio aos
benefícios imediatos mais do que a uma ordem social
justa e duradoura.
O autor, porém, não se limita a descrever a figura
pouco simpática e mal intencionada da globalização.
Ele cria-nos água na boca quando nos descreve os benefícios
da tecnologia contemporânea sobretudo a da electrónica
usada como comunicação. Fica-se, depois de uma leitura
atenta ao mesmo tempo agradável deste livro, com a
alegria de se ter adquirido um conhecimento mais
aprofundado sobre o significado de 'globalização' com
os complicados e subtis meandros do seu percurso. Ao
mesmo tempo, fica-se aterrorizado ao apercebermo-nos das
funestas intenções já postas em marcha contra a África
e, portanto contra Angola, para levá-la, paulatinamente,
a uma morte certa.
O autor tem o seu ponto de vista sobre a guerra em
Angola (e em África, em geral) muito claro: " a
guerra fratricida de proporções que só se
justificariam contra uma agressão externa é um
desgaste inútil, porque no fim ter-se-á apenas
atrasado ainda mais o País que se encontrará
completamente inerme contra a guerra mais forte e
generalizada da globalização. No fim do nosso conflito
não haverá senão vencidos que concorreram para a
pobreza global".
Por tudo isso as guerras fratricidas em África,
prossegue o autor, devem terminar o mais rapidamente
possível para, unidos, nos defendermos das "destrutivas
armas tecnocientíficas (de ciência e tecnologia) e de
mercado já activadas contra nós".
Jerónimo
CAHINGA, CSSp
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