Mensagem
ao povo de Deus do 2º Congresso Americano Missionário
e do 7º Congresso Missionário Latino-americano
"Não
podemos calar o que vimos e ouvimos"
Do coração da América, saudamos as Igrejas que
peregrinam no continente americano e nas ilhas do Caribe:
"Graças e paz a vocês da parte de Deus Pai e de
Jesus Cristo o Senhor" (2 Tes 1,2).
1.
No espírito de "Igreja na América"
Ao
concluir na Cidade da Guatemala os trabalhos do II
Congresso Americano Missionário (CAM2), que é ao mesmo
tempo o VII Congresso Missionário Latino-Americano
(COMLA7), brota espontâneo em nossos corações,
transbordantes de esperança e alegria, um cântico de ação
de graças ao Deus da Vida, que nos convida a
compartilhar com todos os irmãos.
Durante
estes dias, experimentamos a unidade fundamental que nos
dá a comunhão na mesma fé, na mesma esperança e na
mesma caridade. Superando as fronteiras e as barreiras
de línguas e culturas, nos enriquecemos mutuamente com
o intercâmbio de experiências, realizações e
compromissos na urgente e gloriosa tarefa de anunciar o
Evangelho como testemunhas fiéis de Jesus Cristo.
Vivemos
um Congresso que se apresenta como um "sinal de
unidade de todos os povos do continente" (João
Paulo II, Mensagem ao CAM2, n. 5). Durante uma semana,
partilhamos um "cenáculo missionário" que
reuniu filhos e filhas da Igreja procedentes de todos os
rincões do continente americano, desde o Pólo Norte até
o Pólo Sul, passando pelas ilhas do Caribe.
2.
A partir da pequenez , da pobreza e do martírio
Pela
primeira vez na história do "continente da esperança",
a preparação deste acontecimento foi assumida por um
grupo de países. Nela, com efeito, se envolvem todas as
Igrejas particulares do istmo --com o acompanhamento do
Secretariado Episcopal da América Central (SEDAC)--
lideradas por seus bispos e vigários de Pastoral e
animados pelas Obras Missionárias Pontifícias.
Uma
das características mais originais do CAM2 - COMLA7 é
o ter sido preparado com uma consciência clara de que
se fazia "a partir da pequenez, da pobreza e do
martírio".
Sim,
nosso Congresso foi realizado partindo da pequenez desta
região da América, que significa pouco para as nações
poderosas do mundo. Mas a experiência que vivemos na fé
como "pequeno rebanho" (Lc 12, 32) nos deu uma
nova e mais profunda compreensão da parábola do grão
de mostarda, que "se desenvolve e se faz uma árvore,
e os pássaros do céu habitam em seus galhos" (Lc
13, 19). É a pequenez à qual canta alegre a Virgem do
Magnificat, ao exaltar a ação de Deus nos pobres, como
resplandece na edificante vida do Santo Irmão Pedro de
São José Betancur e San Juan Diego.
Vivemos
também um Congresso preparado partindo da pobreza que
golpeia cruelmente os povos centro-americanos que Deus
nos revelou em seu filho Jesus Cristo, "o primeiro
e o maior evangelizador" (2Cor 8,9). Cristo, com
efeito, realizou sua missão na pobreza, no
desprendimento e na perseguição. Como Ele --seguindo o
convite do documento de Puebla-- "devemos dar a
partir nossa pobreza" (n. 368). Nossos povos são
pobres em bens materiais, mas têm a riqueza imensa da fé.
Podemos, então, dizer que são ricos porque a falta de
fé é a maior das pobrezas.
A
partir da pequenez e da pobreza da América Central,
ansiamos impulsionar a missão sem ter outros recursos
para o anúncio do Evangelho a não ser um coração
cheio de fé e esperança, mãos generosas para
compartilhar e pés pressurosos para fazer levar com urgência
a Palavra do Senhor, verdadeiro dom de Deus para todos
os povos.
Aqui
compreendemos melhor que o Senhor atua por meio de seu
Espírito, apesar de nossa pequenez, quando não
confiamos em nossas próprias forças mas no poder de
Deus. Por isso, "desde o coração da América,
desde nossa pequenez e de nossa pobreza" --como diz
o hino oficial do Congresso-- gritamos ao mundo nosso
lema: "Igreja na América, tua vida é missão!".
Nestes dias de graça, vislumbramos que brilhará uma
grande luz para o mundo, se acolhemos a palavra do
Senhor que nos envia a evangelizar além de nossas
fronteiras.
Veremos
surgir esta "nova luz" sobretudo da recente
vivência martirial das Igrejas que nos acolheram com
tanta cordialidade e fraternidade. Por isso dizemos que
o CAM2 - COMLA7 foi celebrado desde o martírio. Durante
todos estes dias, estiveram presentes em nossa mente os
numerosos mártires destas terras --leigos em sua
maioria-- catequistas e delegados da palavra; também
religiosos, religiosas e sacerdotes. Entre os "testemunhos
fiéis" até a efusão do sangue que fecundou os
sulcos do Evangelho, evocamos de maneira especial Dom
Oscar Arnulfo Romero e Dom Juan Gerardi. Os nomes de
muitos outros mártires somente são conhecidos por
Deus.
Nos
emociona a homenagem que rendeu a todos o Vigário de
Cristo, quando disse: "Inclino-me com reverência
ante o sacrifício destes humildes e valentes
trabalhadores da vinha do Senhor (...) aos quais foi
dado não só crer no Evangelho e proclamá-lo, mas que
chegaram a derramar seu sangue no serviço à Palavra de
vida" (Carta aos bispos de Guatemala, 02.12.84).
3.
O chamado à missão é uma vocação à santidade
Na
sessão inaugural do Congresso, escutamos com devoção
a mensagem de Sua Santidade João Paulo II, que nos
recordou que "a história da evangelização do
continente americano (...) mostra a íntima relação
entre santidade e missão" (João Paulo II,
Mensagem ao CAM2, n. 2). O mesmo constata com alegria
que, há mais de cinco séculos, "o Espírito do
Senhor suscitou nestas benditas terras maravilhosos
frutos de santidade em homens e mulheres que, fiéis ao
mandato missionário do Senhor, entregaram sua própria
vida ao anúncio da mensagem cristã, inclusive em
circunstâncias e condições heróicas" (Ibid).
Durante
estes dias oramos com os povos indígenas da Guatemala.
Suas orações lhes levam com toda naturalidade a
contemplar a Deus na criação e em seu plano de Redenção,
a confiar-lhe a dor e o sofrimento, a manter a esperança
quando o horizonte parece completamente obscuro, a
descobrir sua presença nas coisas e nos gestos mais
simples, a dar-lhe graças porque sua ternura maternal
de Pai se expressa de múltiplas maneiras. Ao ver como
expressam sua fé em Jesus Cristo e seu amor à Igreja
desde os valores de sua cultura, reafirmamos nosso
convencimento de que o Reino de Deus nasce nos corações
a partir da pequenez, da pobreza e do martírio.
O
Santo Padre depois de recordar-nos que "não basta
renovar os métodos pastorais" e que "é
necessário suscitar um novo anseio de santidade entre
aqueles que são os colaboradores mais íntimos dos
missionários" (Redemptoris Missio, 90), nos põe
ante os olhos os milhões de seres humanos que ainda não
conhecem a Cristo. Por isso nos recorda com veemência
que "o anúncio da Boa Nova é uma tarefa vital e
inderrogável" (João Paulo II, Mensagem ao CAM2,
n. 3).
4.
"Igreja na América, tua vida é missão"
Na
alvorada do novo milênio, o Vigário de Cristo repetiu
a todos os filhos e filhas da Igreja o grande convite do
Senhor a entrar sem medo nas águas profundas da história
presente. Por meio dele, Cristo renova seu mandato
iniludível, o mesmo que fez exclamar a Paulo: "Ai
de mim se não anuncio o Evangelho!" (1Cor 9,16).
Por isso, ao contemplar o espetáculo esplêndido de
mais de três mil católicos que participaram neste
"cenáculo continental" ressoaram em nosso
coração as palavras do Profeta: "Que maravilhosos
são sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a
paz, que traz boas notícias, que anuncia a salvação,
que diz a Sião: 'reina teu Deus'!" (Is 52, 7).
Devemos
compartilhar o mais belo que recebemos no dia de nosso
batismo: o dom da fé. Daí brota como de uma fonte viva
nossa vocação e compromisso à missão "Ad gentes":
Os povos que habitavam a América receberam o Evangelho,
primeiro, do continente europeu e, logo, pela cooperação
das Igrejas particulares do mesmo continente americano.
Ainda há poucos anos, os países do norte enviavam
sacerdotes, religiosos e religiosas como missionários
ao sul. Ao contrário, hoje em dia, a migração cada
vez mais numerosa procede dos países empobrecidos do
sul, homens e mulheres latino-americanos e caribenhos
estão presentes nas grandes cidades do norte.
Lemos
nos Atos dos Apóstolos que os primeiros cristãos se
dispersaram ao desatar a perseguição em Jerusalém,
mas no caminho iam anunciando Jesus Cristo. Algo
semelhante sucede hoje com inumeráveis irmãos e irmãs
que abandonaram suas terras fugindo de graves perigos ou
buscando um futuro melhor. Muitos chegaram aos países
do norte da América armados de sua fé profunda em
Jesus Cristo e seu amor entranhável à Igreja. Na
realidade podemos considerá-los como enviados e missionários
de Deus, porque por seu testemunho recordam a quem vive
na abundância, os valores autênticos do Evangelho. Nos
comprometemos a acompanhar as Igrejas de onde procedem,
e as Igrejas às quais chegam desejamos oferecer-lhes
uma acolhida cada vez mais fervorosa.
Com
humildade recolhemos o desafio que o sucessor de Pedro
nos lançou: "Este Congresso está orientado para
tal tarefa. Respondei, pois, com prontidão ao chamado
do Senhor. Manifestai o desejo de ser testemunhas
alegres e apóstolos entusiastas do Evangelho até os últimos
confins da terra, mediante o testemunho de uma vida
santa!" (João Paulo II, Mensagem ao CAM2, n. 3).
5.
"Não podemos calar o que vimos e ouvimos"
(Atos 4,20)
O
Congresso que hoje encerramos foi uma profunda experiência
de encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo
ressuscitado. Desde esta vivência inesquecível nos lançamos
ao futuro, proclamando com os apóstolos que "não
podemos calar o que vimos e ouvimos" (Atos 4,20).
Não
podemos calar as crianças, que ainda pequenas são a
primavera missionária da Igreja; não podemos calar os
jovens que descobriram em Jesus Cristo o amigo por quem
vale a pena entregar a vida; não podemos calar os cristãos
e cristãs que foram chamados em virtude do batismo e da
confirmação a remar mar adentro em nossa resposta
missionária; não podemos calar os consagrados,
chamados ao seguimento radical de Cristo também em sua
missão, não podemos calar os presbíteros que em
virtude de nossa ordenação estamos disponíveis a ser
enviados a pregar o Evangelho a qualquer lugar da terra.
Especialmente não podemos calar os bispos, que
desejamos responder ao Senhor que nos interpela a viver
a fundo a índole missionária de nosso ministério.
Como ensina o Santo Padre, toda a ação pastoral do
bispo "deve ser caracterizada por um espírito
missionário, para suscitar e conservar no âmbito dos
fiéis o ardor pela difusão do Evangelho" (Pastores
Gregis, 65).
Não
podemos calar quando nos damos conta de que mais da
metade dos católicos do mundo vive sua fé no
continente americano. Por isso anunciamos com alegria
que como fruto do CAM2 - COMLA7, será criada na América
Central um centro de formação e animação de missionários
"Ad Gentes".
Que
Santa Maria de Guadalupe, primeira evangelizadora da América,
junto com os Mártires, Santos e Santas de nosso
continente, intercedam ante Jesus para que derrame
abundantemente suas graças sobre a Igreja que peregrina
na América e assim possa responder com maior
generosidade seu compromisso missionário em bem da
Igreja Universal.
Guatemala
da Assunção, 29 de novembro de 2003.
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